A reader lives a thousand lives before he dies, said Jojen. The man who never reads lives only one. (George R. R. Martin)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A Filha do Barão


     O olhar escuro como ébano de Mariana dirigiu-se-lhe, levemente angustiado. Procurou o dele, exigiu que se prendessem um no outro por um breve momento. Talvez, perspicaz como era, suspeitasse que aquela poderia ser a última vez que veria o pai. D. João estava certo de que assim era; a sua saúde deteriorava-se a olhos vistos, a tísica era contagiosa e, ao entardecer, era geralmente tomado por febres que o enfraqueciam. As noites arrastavam-se com uma tosse aflitiva que mantinha a mulher igualmente acordada, e era olhado de lado pelos homens que, como ele, dividiam o espaço na sua salinha na alfândega. Tinha, contudo, sido demasiado apreciado pela rainha, para que se opusessem à sua presença junto aos seus cadernos de números. Era um homem tido em certa conta e, se não fosse a doença que havia meses lhe corroía os pulmões, teria um aspecto ainda jovem para os seus trinta e quatro anos. Ultimamente, parecia que a pele adquirira um tom macilento e que a cavidade torácica se tornava mais evidente. Emagrecia no esforço por trazer algum ar ao seu interior. A peste cinzenta reclamava-o para o outro lado e ele, como bom cristão, assegurara-se de que encaminhava as duas almas que tinha a seu encargo para a costa.
     (…)
     À porta do café juntavam-se as meninas afectadas, em idade casadoira, que esperavam nas carruagens pelas criadas que lhes traziam os sorvetes. Mariana de Albuquerque era uma delas, em tudo diferente das crianças inglesas, de rostos angelicais e olhos claros. Os cabelos das crianças portuguesas eram escuros como os dos ciganos que percorriam a Inglaterra nas suas tendas de nómadas, e a filha de D. João, postada fora da liteira com uma criada, à espera que o pai regressasse com o sorvete de cacau açucarado, não diferia das restantes. Quando a vira na companhia do pai,
achara-a sempre uma réplica de cigana inglesa, de pele tocada pelo sol que reflectia no Tejo, olhos negros e cabelos cor de ébano. Era baixa, o peito liso como uma planície sob o espartilho e nem as rendas delicadas do decote baixo aliviavam essa impressão de saltimbanca. Das únicas duas vezes que fora abordada por D. João na sua presença, limitara-se a encaminhar o sorvete para as beiças de menina gulosa e a ignorá-lo. Tudo o resto, das gaivotas às vendedoras que equilibravam tripas sobre a cabeça, lhe parecia mais digno da sua honrosa atenção. O pai gabava-lhe o inglês, mas a fidalga de onze anos não lhe dedicara um bom-dia que fosse. D. João desculpara-se em seu nome. Pai algum inglês se desculpava em nome da filha mimada.

Confesso que, quando tenho de escolher um livro para ler, os autores portugueses não se encontram entre as minhas primeiras escolhas. Não por falta de talento, muito pelo contrário, mas porque não me costumo identificar muito com os assuntos/tipos de escrita.
Contudo, a Célia conseguiu mudar um pouco do estereotipo criado na minha mente. Não só pela escrita, mas também por se ter "arriscado" a escrever Romances Históricos, um dos meus géneros favoritos.

Logo nas primeiras páginas, acompanhamos a viagem das mulheres da família Albuquerque de Lisboa para o Porto e, posteriormente, para os arredores de uma aldeia nas encostas do Douro. D. João, o barão, prometeu a filha Mariana, em casamento, a um tal de Daniel Turner, inglês, que pretende estabelecer-se em Portugal a produzir vinho do Porto... 
Mas estamos no início do século XIX e Napoleão prepara-se para invadir Portugal... 

Com uma escrita bastante simples, mas rica em pormenores históricos e descrições da época (nada maçadoras), somos transportados ao Portugal do início do século XIX, quando os homens foram arrastados para uma nova luta pela independência deste cantinho à beira mar plantado e as mulheres tiveram de lutar pelas suas famílias e bens, ainda que por vezes com poucas condições.

Será que Mariana e Daniel se vão entender e acabar por se apaixonar um pelo outro, apesar da diferença de idades? Porque é que D. Sofia trata mal a própria filha, quando parece que toda a gente gosta da fidalguinha? Que segredos, afinal, levou D. João consigo para o túmulo? 
Estas e outras questões são levantadas ao longo do livro e dei por mim a devorar as mais de quinhentas páginas para chegar ao final e perceber que Mariana e Daniel ainda têm muitos segredos por descobrir relativamente ao seu passado que de certeza irão influenciar o futuro de ambos. 

Mal posso esperar pela continuação!

Recomendo!

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